O paradoxo da microcefalia no Brasil



Uma análise epidemiológica temporal retrospectiva dos transtornos neurológicos associados ao vírus Zika (ZIKV) no Brasil[1], publicada esta semana como uma carta ao editor no periódico New England Journal of Medicine (NEMJ), traz resultados surpreendentes e ainda sem explicação.

Os autores apresentam dados das cinco regiões do Brasil mostrando que o número de casos suspeitos de zika começou a aumentar na região Nordeste em março de 2015, e nas outras regiões do país apenas no final do mesmo ano, com a doença se disseminando 2016. No ano de 2015, a dispersão do ZIKV esteve associada com um aumento na incidência de distúrbios neurológicos, especialmente Síndrome de Guillain-Barré (GBS) e microcefalia.

 A incidência de microcefalia teve um pico em novembro 2016 (semana 47), 23 semanas após o início das epidemias de ZIKV e GBS, em média. Os autores especulam que se houve um atraso de três semanas entre a exposição dos pacientes ao ZIKV e o desenvolvimento de GBS (período habitual de incubação mais atraso habitual na notificação), a infecção que levou a microcefalia teria acontecido, em média, 12 semanas após a concepção.

 A surpresa do trabalho, no entanto, está na analise de 2016. Quando a zika e a síndrome de Guillain-Barré ressurgiram no Nordeste do Brasil, os autores anteciparam para microcefalia uma réplica do ano anterior. Mas isso não aconteceu.

Há três explicações possíveis, segundo os autores, todos pesquisadores do Ministério de Saúde do Brasil, da Fundação Osvaldo Cruz, da Organização Pan-americana da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. A primeira é de que as infecções de 2016 que foram atribuídas ao ZIKV, e relacionadas aos casos de GB, tenham sido, na realidade, causadas por algum outro arbovírus. A segunda hipótese aventada é de que a infecção pelo ZIKV, apesar de necessária, não seja suficiente para, sozinha, causar a microcefalia. Por último, que o medo da microcefalia tenha diminuído a natalidade na região, seja via diminuição das taxas de concepção, seja por aumento do número de abortos – como a prática é ilegal no Brasil, é, portanto, impossível de quantificar.

“Utilizando os dados coletados, mostramos que provavelmente há um nexo consistente entre ZIKV, GBS e microcefalia na região mais afetada, o Nordeste, no ano de 2015. Digo provavelmente porque temos incertezas em nossos dados e em nossa análise”, respondeu por email ao Medscape Christopher Dye, Diretor de Estratégia, Política e Informação da OMS, e um dos autores do estudo.

“Das três hipóteses, a que se apresenta mais possível é a primeira, que os casos reportados como zika em 2016 sejam, na realidade, de chikungunya. Mas as três hipóteses não são mutuamente excludentes, pode ser uma combinação de todas. Ou podem haver outros fatores sobre os quais não tenhamos pensado ainda. Nesta fase, nada pode ser descartado”, afirmou Dye.

Segundo o Dr. Artur Timerman, o estudo “ressalta a carência dos métodos diagnósticos ainda vigentes no Brasil”.

“O diagnóstico sorológico que permita distinguir dengue de zika é ainda muito problemático. Alia-se a isso, a grande dificuldade de disponibilização do teste sorológico para diagnóstico de chikungunya, extremamente difícil de se conseguir na rede pública”.

Questionado sobre a segunda hipótese aventada pelos autores do estudo –  de que a infeção por ZIKV seja necessária, mas não suficiente para causar, sozinha, a microcefalia –  o Dr. Jean Pierre Schatzmann Peron, um dos pesquisadores que demostrou a associação entre o Zika e microcefalia em modelo experimental respondeu:

“Interessante, mas acho difícil. Como explicar os casos de microcefalia em outros países? Eles sabem que o Nordeste é o epicentro da crise, mas há 49 casos de microcefalia nos Estados Unidos, e também muitos na Colômbia. E os casos que se observaram de forma retrospectiva na Polinésia francesa? Que cofator é esse que é tão comum em lugares tão distantes um do outro?” questionou o pesquisador.

A questão da natalidade, segundo ele, é muito difícil de avaliar. As mulheres pararam de engravidar? Os casais usaram mais preservativos ou anticonceptivos orais? Houve mais abortos? Essas hipóteses são estudadas atualmente[2] com muita dificuldade. O Dr. Peron disse acreditar que dificilmente haja uma explicação única.

“Ficamos felizes com o resultado deste trabalho, mas alguma coisa está acontecendo, porque os números de GBS se mantiveram”.

Fonte: http://portugues.medscape.com/verartigo/6501131